Falta
d'água em cidades tem a ver com devastação desenfreada da Amazônia
Chuvas que recarregam reservatórios
da região Sudeste são oriundas da Amazônia. Árvores são ‘toque
final’ da máquina biológica que produz chuvas.
O chão foi o destino de 20% das
árvores da Floresta Amazônica original. Que isso vem acontecendo há
anos, todos sabem. O que você provavelmente não sabe é que esse
crime ambiental tem a ver com a falta d'água na maior cidade da
América Latina. É que a Amazônia bombeia para a atmosfera a
umidade que vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste,
Sudeste e Sul do Brasil. Quanto maior o desmatamento, menos umidade
e, portanto, menos chuva. E sem chuva, os reservatórios ficam vazios
e as torneiras, secas.
É guerra contra a cobiça. No coração
da Amazônia, o exército formado pelo Ibama, pela Funai e pela
Polícia Federal atinge mais um alvo. Garimpeiros presos, madeireiros
multados, equipamentos destruídos. E a prova do crime apreendida.
Esse é o front de um conflito que já dura pelo menos quatro décadas
no Brasil. Desde que as primeiras estradas rasgaram a floresta para
permitir a colonização. Caminhos que acabaram facilitando também o
acesso de exploradores gananciosos e sem escrúpulos. Um crime
ambiental que ainda está longe do fim.
Uma árvore que leva mais de 100 anos
para crescer. E que em menos de um minuto, já pode estar derrubada.
E o pior é que a madeira nem é aproveitada. Nesse tipo de
desmatamento, o objetivo é simplesmente derrubar tudo, tocar fogo e
transformar a área em pastagem para a criação de gado. Um crime
ambiental que geralmente só é notado pelos fiscais tarde demais,
quando a floresta já virou carvão.
Clareiras somam área maior que
França e Alemanha juntas
“Isso aqui é roubo de terras da
União. Grileiros furtam a terra da União, praticam o desmate
multiponto, vários pontos embaixo da floresta, dificultando o
satélite de enxergá-lo.”, explica Luciano de Menezes Evaristo,
diretor de proteção ambiental do Ibama.
O que os olhos poderosos dos satélites
não veem, a floresta, lamentavelmente, sente: 20% das árvores da
Amazônia original já foram para o chão. Restaram imensas clareiras
que somam uma área maior que a França e a Alemanha juntas.
O Fantástico acompanhou, com
exclusividade, a maior operação contra grileiros na Amazônia neste
ano. Em uma conversa gravada pela Polícia Federal com autorização
da Justiça, um dos presos admite que o interesse dos criminosos é
apenas nas terras.
“Como a floresta lá é muito bruta,
os troncos são muito grossos, então o custo é muito grande. São
árvores antigas, árvores velhas”, ele diz.
Consequências da devastação estão
próximas de todos
Derrubadas e garimpos deixam uma
cicatriz gigantesca na mata que pode parecer um problema exclusivo de
árvores e bichos, distante da maioria das pessoas. Mas a ciência e
as novas tecnologias comprovam que as consequências da devastação
estão muito mais próximas de todos nós.
Nascentes que já não vertem mais
água. Represas com menos de 10% de sua capacidade original de
armazenagem. Uma delas, por exemplo, perto de Mogi das Cruzes, no
interior de São Paulo, deveria ter em um ponto uma profundidade de
pelo menos cinco metros. Está agonizando. Mas o que a falta de água
nesta região do país tem a ver com a Amazônia que fica a mais de 2
mil quilômetros de distância? Tudo, absolutamente tudo, segundo
cientistas que estudam as funções da floresta e as variações
climáticas na América do Sul.
“Essas chuvas que ocorrem
principalmente durante o verão, a umidade é oriunda da Amazônia. E
essa chuva que fica vários dias é que recarrega os principais
reservatórios da Região Sudeste.” explica Gilvan Sampaio,
climatologista do Inpe.
Fantástico tem acesso exclusivo a
relatório sobre futuro climático
O Fantástico teve acesso exclusivo ao
relatório sobre o futuro climático da Amazônia que só vai ser
divulgado oficialmente na Conferência Sobre o Clima em Lima, no
Peru, no fim deste ano. O trabalho desenvolvido em parceria por
cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Inpa,
que investiga a Amazônia, reúne mais de 200 estudos e traça um
minucioso roteiro das chuvas no continente sul-americano.
“Está mudando o clima. A gente vê
isso acontecendo na Amazônia. Tem muitos trabalhos mostrando que a
extensão da estação seca está se prolongando”, diz Antônio
Nobre, pesquisador do Inpa.
De acordo com esse relatório, nos
últimos 400 milhões de anos, a umidade que evapora dos oceanos é
empurrada naturalmente pelos ventos para dentro dos continentes. Uma
parte desse vapor vira chuva e cai, principalmente, sobre as grandes
florestas na altura do Equador. O excesso de umidade segue empurrado
pelos ventos, atravessa os continentes e acaba indo para o mar. Um
ciclo que ao redor da Terra só tem uma exceção: a Amazônia.
Diferencial da Amazônia
O que torna a Amazônia diferente de
todas as grandes florestas equatoriais do planeta é a Cordilheira
dos Andes. Um imenso paredão, de 7 mil metros, que impede que as
nuvens se percam no Pacífico. Elas esbarram na Cordilheira e desviam
para o Sul.
“Esses ventos viram aqui e se
contrapõem à tendência natural dessa região aqui de ser deserto.
É uma região que produz 70% do PIB da América do Sul - região
industrial, agrícola, onde está a maior parte da população da
América do Sul”, explica Antônio Nobre, pesquisador do Inpa.
Mas de onde vem tanta água? Como
funciona a fantástica máquina biológica que faz chover? Segundo os
cientistas, o toque final cabe às árvores.
Fincadas a até 20 ou 30 metros de
profundidade, as raízes sugam a água da terra. Os troncos funcionam
como tubos. E, pela transpiração, as folhas se encarregam de
espalhar a umidade na atmosfera.
Diariamente, cada árvore amazônica
bombeia em média 500 litros de água. A Amazônia inteira é
responsável por levar 20 bilhões de toneladas de água por dia do
solo até a atmosfera, 3 bilhões de toneladas a mais do que a vazão
diária do Amazonas, o maior rio do mundo.
“Se você tivesse uma chaleira
gigante ligada na tomada, você precisaria de eletricidade da Usina
de Itaipu, que é a maior do mundo em potência, funcionando por 145
anos para evaporar um dia de água na Amazônia. Quantas Itaipus
precisaria para fazer o mesmo trabalho que as árvores estão fazendo
silenciosamente lá? 50 mil usinas Itaipu”, explica Antônio Nobre.
“Rio voadores” cruzam o Brasil
Esse imenso fluxo de água pelos ares é
chamado de "rios voadores". O Fantástico chamou a atenção
para a importância desses rios já em 2007. Imagens feitas de um
avião do projeto "rios voadores" revelam nuvens densas,
carregadas de água, cruzando todo o Brasil.
Testes feitos em laboratório
comprovaram: mais da metade da água das chuvas nas regiões
Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e também na Bolívia, no
Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile vem
da Amazônia.
Para os cientistas, uma prova
irrefutável do papel dos Andes e da Floresta Amazônica no
ecossistema do cone-sul é a inexistência de um deserto nessa
região. Basta olhar o globo para constatar que na mesma latitude em
volta do planeta tudo é deserto. Menos na América do Sul.
Os pesquisadores não têm dúvida: sem
a Amazônia, os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,
Paraná e Rio Grande do Sul fatalmente seriam desertos também.
“Para quem está no Brasil, seja
Porto Alegre ou Manaus ou São Paulo tem que saber que a água que
consome em sua residência, uma parte dela vem da Amazônia e que por
isso temos que preservar”, alerta Gilvan Sampaio.
Devastação bloqueia “rios
voadores” em São Paulo
As imagens dos satélites que
acompanham a movimentação das nuvens de chuva comprovam que a
grande seca que assola as regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil,
em parte, está relacionada aos desmatamentos. No estado de São
Paulo, por exemplo, a devastação da Mata Atlântica permite a
formação de uma massa de ar quente na atmosfera. Tão densa que
chega a bloquear os “rios voadores”, já enfraquecidos por conta
do desmatamento na Amazônia. Represados no céu, eles acabam
desaguando no Acre e em Rondônia, onde, este ano, foram registradas
as maiores enchentes da história.
MP e Receita Federal entram na luta
contra o desmatamento
Na luta contra o desmatamento, o Ibama,
a Funai e a Polícia Federal acabam de ganhar mais um aliado: o
Ministério Público, que passou a juntar dados da Receita Federal
para poder enquadrar as quadrilhas também por lavagem de dinheiro e
sonegação fiscal, falcatruas que podem levar a mais de 10 anos de
cadeia.
Pelas contas da Procuradoria da
República no Pará, só a quadrilha presa na última operação
desviou dos cofres públicos R$ 67 milhões em impostos. Um crime que
mistura ganância e ignorância.
Fantástico: Quando você mete a
motoserra em uma árvore que levou 100 anos para chegar daquele
tamanho, não dá dó?
Homem: Não tem como a gente ter dó
das coisas. Ninguém tem dó da gente também, né? Tem que desmatar
para viver, né?
“Eu não sei se tá errado, não. Pra
mim, está certo porque eu estou trabalhando. Enquanto os vagabundos
ficam soltos na cidade, a gente tem que trabalhar escondido. Aí é
difícil”, diz uma mulher.
Reflorestar áreas desmatadas antes
que seja tarde
Um comportamento que bate de frente com
os interesses de quem depende da Amazônia para produzir alimentos de
forma legal.
“É do interesse do próprio
agricultor ou produtor de gado ou de quem está querendo produzir
energia que a floresta seja mantida. Porque ela é o que garante que
tenha água necessária para essas atividades econômicas poderem
existir”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo.
Os gráficos do Inpe revelam que os
desmatamentos na Amazônia já caíram aos níveis mais baixos das
últimas duas décadas, mas ainda que tivessem sido completamente
zerados, os cientistas não estariam tranquilos. Eles alertam que é
preciso também reflorestar as áreas desmatadas antes que seja
tarde.
“Existe um fato simples: se você
tira floresta, você tira fonte de umidade, muda o clima. E nós
tiramos floresta. Isso foi o que a gente fez nos últimos 40 anos. O
clima é um juiz que sabe contar árvores, que não esquece e não
perdoa”, afirma Antônio Nomes.
fonte: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/falta-dagua-em-cidades-tem-ver-com-devastacao-desenfreada-da-amazonia.html